Primeira leitura: At 2,1-11:
Todos ficaram cheios do Espírito Santo.
Salmo: Sl 103(104),1ab.24ac.29bc-30.31.34 (R. cf. 30):
R. Enviai o vosso Espírito Santo, e da terra toda a face renovai.
Segunda leitura: 1Cor 12,3b-7.12-13:
Fomos batizados num único Espírito.
Evangelio: Jo 20,19-23:
Recebei o Espírito Santo.
Tema: DOMINGO DE PENTECOSTES (Solenidade)
Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz esteja convosco! Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. Disse-lhes outra vez: A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós. Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.
Comentário
Qualquer cidade grande de hoje revive o ambiente da torre de Babel: pluralidade de línguas, pluralidade de culturas, de ideias, de estilos de vida e problemas imensos de intolerância e falta de compreensão entre os que a habitam. Como conviver e entender-se em meio a tantas diferenças? A situação está ficando especialmente problemática nos países desenvolvidos, mas também nas grandes cidades de todo o mundo. Imigrantes do campo, do interior, de outros estados ou países que deixam tudo em busca de um trabalho, um lar, um lugar onde receber sustento e qualidade de vida. Situação mais desesperadora é aquela dos que abandonam seu país para bater à porta dos países desenvolvidos, mesmo que para isso tenham que arriscar-se em mares tenebrosos e em barcos sem nenhuma segurança. Chegar à outra margem é o sonho... E quando chegam, se é que os deixam entrar, começa um verdadeiro calvário até poder situar-se um pouco ao nível dos que ali vivem...
Nosso mundo se transformou já em paradigma da torre de Babel, palavra que significava "porta dos deuses". Assim se denominava a cidade símbolo da humanidade, precursora da cultura urbana. Uma cidade construída em torno a uma torre, uma língua e um projeto: escalar o céu, invadir a área do divino. O ser humano quis ser como Deus (já antes o havia tentado no paraíso como casal, agora em nível político) e se uniu (-se uniformizou-) para consegui-lo.
No entanto o projeto fracassou: aquele Deus, ciumento desde os inícios do progresso humano, confundiu (em hebraico, balal) as línguas e acabou para sempre com a Porta dos Deuses (Babel). Talvez nunca tenha existido aquele mundo uniformizado; quem sabe tenha sido apenas uma aspiração do poder humano. Depois do castigo divino, as diferentes línguas passaram a ser o maior obstáculo para a convivência, princípio de dispersão e de ruptura humana. O autor da narrativa babélica não pensou na riqueza da pluralidade e interpretou o gesto divino como castigo. No entanto, fez constar, já desde o princípio, que Deus estava a favor do pluralismo, diferenciando os habitantes do globo pela língua e dispersando-os.
Dez séculos depois desta narrativa do Gênesis, lemos outra nos Atos dos Apóstolos. Teve lugar no dia de Pentecostes, festa da colheita na qual os judeus recordavam o pacto de Deus com o povo no Monte Sinai, "cinquenta dias" ( = Pentecostes) depois da saída do Egito.
Estavam reunidos os discípulos, também cinquenta dias depois da Ressurreição (o êxodo de Jesus ao Pai) e iam colher o fruto daquilo que o Mestre havia semeado: a vinda do Espírito que se descreve acompanhada de acontecimentos, expressos como se fossem fenômenos sensíveis: ruído como de vento impetuoso, línguas como de fogo que consome ou acrisola, Espírito (= ruah: ar, alento de vida, respiração) Santo (= hagios: não terreno, separado, divino). É o modo que Lucas escolhe para expressar o inenarrável, a irrupção do Espírito que os livraria do medo e do temor e que os faria falar com liberdade para anunciar a boa notícia da morte e ressurreição de Jesus.
Por isso, recebido o Espírito, todos começam a falar línguas diferentes. Alguns quiseram indicar com esta expressão que se tratava de "ruídos estranhos"; talvez fossem assim originariamente, ao estilo das reuniões de carismáticos. Mas Lucas diz "línguas diferentes". Assim como soa. Pouco importa averiguar em que consistiu aquele fenômeno para cuja explicação não contamos com mais dados. O que sim importa é saber que o movimento de Jesus nasce aberto para todo o mundo e para todos, que Deus já não quer a uniformidade, mas a pluralidade; não quer o confronto, mas o diálogo; que começou uma nova era na qual deve-se proclamar que todos podem ser irmãos, não apesar de, mas graças às diferenças; que já é possível entender-se, superando todo tipo de barreiras que impedem a comunicação.
O Espírito de Deus não é Espírito de monotonia ou de uniformidade: é poliglota, polifônico. Espírito de concertação (do latim "concertare": debater, discutir, compor, pactuar, acordar). Espírito que põe de acordo aqueles que têm pontos de vista distintos ou modos de ser diferentes. O dia de Pentecostes, a multiplicidade de línguas, não trouxe mais confusão, como em Babel. "Cada um os ouvia falar em seu próprio idioma das maravilhas de Deus". Deus tornava possível o milagre do entendimento mútuo. Estreou assim a nova Babel, aquela desejada por Deus, longe de uniformidades maléficas, um mundo plural, mas concorde. Oxalá que a reinventemos e não sigamos levantando muros nem barreiras entre ricos e pobres, entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento ou nem sequer isso.
Verdade é que a vinda do Espírito significou para aquele punhado de discípulos o fim do medo e do temor. As portas da comunidade se abriram. Nasceu uma comunidade humana, livre como o vento, como o fogo ardente. Não sem razão disse Paulo: "Onde há Espírito de Deus há liberdade", e onde há liberdade, autonomia (o ser humano -e seu bem- se tornam lei), e onde há autonomia, se fomenta o pluralismo e a individualidade, como caminho de unidade, e resplandece a verdade, porque o Espírito é veraz e nos guiará pelo caminho da verdade, da autenticidade, da vida, como diz João em seu evangelho. Que venha um novo Pentecostes sobre nosso mundo -é nossa oração- para acabar com esta onda de intolerância e intransigência que nos invade por toda parte.
Oração
Ó Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai da Glória: ilumina nosso olhar interior para que, vendo o que esperamos a partir do teu chamado, e entendendo a grande e gloriosa herança que reservas para teus santos, compreendamos com que extraordinária força atuas em favor de todos os que cremos. Por N.S.J. (cf. Ef 1,17ss)
Santo do Dia
S. Lanfranco
c. 1005-1089 ? bispo ? \"Lanfranco? quer dizer \"nascido na terra dos francos?
Natural de Pávia, Lanfranco fundou em 1035, em Avranches, uma escola de Dialética, que não teve sucesso por falta de alunos. Uma noite, entretanto, quando atravessava a floresta de Ouche, os ladrões o assaltaram e arrastaram, deixando-o no ponto mais denso da floresta. Aterrado pela escuridão e o silêncio da noite, sem saber que direção tomar, descobriu que nem rezar sabia; resolveu então mudar radicalmente de vida. Salvo por uma caravana, ingressou no mosteiro de Bec. Construiu abadias, fundou escolas, onde homens famosos, como S. Anselmo, S. Ivo e o papa Alexandre II se instruíram. Em 1070, foi feito arcebispo de Cantuária. Deixou vários escritos. É dele a seguinte oração:
Senhor, Deus, perdi tanto tempo instruindo-me; usei meu corpo e minha alma nos estudos; fui à luta por condições melhores de vida; batalhei duramente por um lugar na sociedade; e aqui estou sem saber como rezar ou recitar uma única prece. Socorrei-me, livrai-me de todos os perigos e de todos os males e com vossa ajuda hei de corrigir o que estiver errado em minha vida e organizá-la de tal modo que saberei como vos servir e servir meus semelhantes.