Primeira leitura: 2Sm 5,1-3:
Eles ungiram Davi como rei de Israel.
Salmo: Sl 121(122),1-2.4-5 (R. cf. 1):
R. Quanta alegria e felicidade: vamos à casa do Senhor!
Segunda leitura: Cl 1,12-20:
Recebeu-nos no reino de seu Filho amado.
Evangelio: Lc 23,35-43:
Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado.
Tema: NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO (Solenidade)
Naquele tempo, os chefes zombavam de Jesus dizendo: "A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Escolhido!" Os soldados também caçoavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: "Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!" Acima dele havia um letreiro: "Este é o Rei dos Judeus." Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: "Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!" Mas o outro o repreendeu, dizendo: "Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal". E acrescentou: '"Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado." Jesus lhe respondeu: "Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso".
Comentário
A festa de Cristo Rei foi estabelecida pela Igreja na época do ocaso das monarquias, com o objetivo de apoiá-las como também as aristocracias interessadas pela sobrevivência do Antigo Regime e para fazer oposição aos nascentes regimes republicanos, que representavam os interesses dos pobres, do liberalismo e da nascente democracia. Suas origens são muito discutíveis. Contudo, em todo caso, os textos da liturgia desta festa mostram a maneira peculiar como Cristo seria “Rei”.
Convém lembrar em que consistiam as esperanças messiânicas do povo judeu no tempo de Jesus: uns esperavam um novo rei, ao estilo de Davi, tal como é apresentado na primeira leitura de hoje. Outros, esperavam um dirigente militar que fosse capaz de derrotar o poderio romano; outro esperavam um novo Sumo Sacerdote, que purificaria o Templo. Nos três casos, esperava-se um Messias triunfante e poderoso.
O salmo que lemos hoje, também proclama o modelo davídico de “rei”. Jerusalém, a “cidade santa” é a cidade do poder. Isso explica o motivo pelo qual Jesus ao anunciar a Paixão a seus seguidores, estes não conseguem entender o motivo pelo qual teria que enfrentar a morte.
O Evangelho nos apresenta como Jesus reina: não a partir de um trono imperial, mas a partir da cruz dos rebeldes. A rebelião de Jesus é a mais radical de todas: pretende, não somente eliminar um tipo de poder (o romano ou o sacerdotal) para substituí-lo por outro com outro nome e em contraposição à lógica de dominação e violência (que era o que correspondia às expectativas judaicas).
Podemos dizer que Jesus é o antimodelo de rei dos sistemas opressores: não quer dominar as pessoas, mas promover, convocar, suscitar o poder de cada ser humano, de modo que cada uma e cada um de nós assumamos responsavelmente o peso e a alegria de nossa liberdade.
Um dos grandes psicólogos do século XX, Erich Fromm, propõe, em seu livro “O medo da liberdade”, que diante da angústia que produz no ser humano a consciência de estar separados do resto da criação, adotamos duas atitudes igualmente patológicas: dominar os outros e buscar alguém para dele depender entregando-lhe nossa liberdade.
Em ambos os casos, as pessoas buscam, através destes mecanismos, dissolver essa barreira que nos separa das outras pessoas e do resto do universo. O pecado fundamental do ser humano é, segundo isto, um pecado de poder mal administrado, mal assumido.
É essa a origem de todos os outros pecados: a avareza, que conduz a uma ordem econômica injusta; a soberba, que nos impede ver com clareza nossos erros e pecados; a mentira que nos leva a manipular ou a deixar-nos manipular; a luxúria, o sexo utilizado como instrumento de poder para “possuir”, oprimir; o medo, que nos impede de levantar e caminhar com nossos próprios pés.
Emaranhados nessas armadilhas do poder a que conduz nosso “medo da liberdade”, quando um regime opressor dá qualquer sinal se torna insuportável, buscamos como derrotá-lo para substitui-lo por outro que funcione sobre a mesma lógica. Essa é a lógica que Jesus desarticula de forma total e radical.
Quando no Getsêmani acodem os soldados e as turbas “da parte dos sumos sacerdotes e anciãos do povo” (Mt 26, 47) para prender Jesus, ele não recorre à violência de nenhum tipo. Jesus se nega a ser coroado rei ao estilo do “mundo”, logo depois da multiplicação dos pães ou peixes (Jo 6,15). A tentação do poder, entendido ao estilo dos sistemas opressores, persegue a Jesus desde o deserto até a cruz.
E do deserto até a cruz Jesus rejeita este modelo, denuncia com toda clareza que isto procede do maligno, do “príncipe deste mundo”, e não cai em suas armadilhas. O custo desta resistência, valente e lúcida de Jesus, é a morte.
Na cruz, Jesus derrota, total e radicalmente, o poder do mal concebido como violência e opressão, por uma parte, e como dependência, submissão e alienação por outra. Desse modo é que inaugura um novo tipo de relacionamento entre as pessoas e com o universo inteiro: um relacionamento baseado no respeito mútuo, na harmonia, na coragem, a fim de assumir o peso da própria liberdade responsável.
Na carta aos colossenses, Paulo assinala como, através de Jesus, o Cristo (primogênito de todas as criaturas, preexistente e cocriador do universo, cabeça da Igreja, primícia da plenitude da Criação inteira) se produz a reconciliação de todos os seres com Deus. Esta e outras expressões paulinas deram lugar a interpretações errôneas, ao considerar a morte de Jesus na cruz como o preço que ele havia de pagar para que o Pai, enfastiado e rancoroso, perdoasse a humanidade pecadora.
Contudo, os evangelhos nos mostram com clareza o motivo pelo qual Jesus nos reconcilia com o Pai: não porque esse Deus, pai e mãe, seja um deus rancoroso, mas porque havíamos perdido o rumo da autêntica unidade com Ele e com o universo inteiro.
Esse retorno à unidade com Deus não aconteceu por meio da existência, nem por meio de posturas de poder (dominante ou dependente), mas superando nossos medos, apresentando-nos tal como somos diante de Deus, em total pobreza de espírito, sem máscaras protetoras que impediam de ver seu rosto.
Nós cristãos proclamamos que Cristo é o alfa e o ômega dos tempos e Senhor da História. Porém, e sobretudo, que seu senhorio é o de quem liberta de toda forma de opressão e submissão, que nos dá a liberdade de Espírito, que nos devolve a filiação divina obscurecida por nossos medos, debilidades e pecados.
Assim o Cristo é um anti-Rei aos olhos do “mundo”. É o Cordeiro imolado (Ap 5,12) aquele que nos reconcilia com Deus e nos leva, não de regresso ao Paraíso perdido, mas à utopia da Nova Jerusalém, onde se haverá de adorar somente a Deus que liberta, que nos coloca em pé!
Lamentavelmente, quantas vezes em nossa vida eclesial reproduzimos os modelos de “reinado” do mundo e não os de Deus em Jesus Cristo! Quantas vezes estabelecemos relações autoritárias de poder, em vez de serem relações fraternas! Quantas vezes entramos em conflito com os poderes do sistema, seja por ação ou por omissão!
O modelo de “reinado” apresentado como o “Cordeiro imolado” nos interpela e chama à conversão. Não é necessário nem conveniente sublinhar a “realeza” de Jesus, se isso significa tergiversar seu autêntico e efetivo projeto de vida. Causa dano, sobretudo aos mais oprimidos, apresentar essa imagem monárquica e principesca de um Jesus que, na verdade, dedicou toda sua vida e suas energias para desmascarar e lutar contra esse tipo de estrutura.
Oração
Ó Deus, nosso Pai, que enviastes Jesus Cristo para que anunciasse a todos o vosso desejo de renovar totalmente o mundo, contaminado pelo pecado; nós vos pedimos que ao proclamá-lo Rei não nos impeça de ver que o verdadeiramente importante é construir com ele e como ele, seguindo seus passos, o vosso Reino. Pelo mesmo Jesus Cristo nosso Senhor. Amém.
Santo do Dia
S. Edmundo
854-870 ? rei ? \"Edmundo? significa \"aquele que tem seus
bens protegidos?
Santo Edmundo subiu ao trono da Inglaterra no Natal de 854. O seu reinado foi conturbado pelas invasões bárbaras, com grande poder de destruição. Para não se tornar vassalo de Ivar, chefe bárbaro, decidiu lutar em favor da liberdade de seu povo, mas caiu prisioneiro. Amarrado a uma árvore, teve o corpo cravejado de flechas e, depois de decapitado, seu corpo foi atirado em uma floresta. Contam que procurando a cabeça do rei, os cristãos, para não se dispersarem, gritavam uns para os outros: \"Onde estás? Onde estás?? No meio da busca, o rei teria respondido: \"Aqui. Aqui. Aqui.? Acorrendo ao lugar, encontraram a cabeça do rei guardada por um lobo que a defendia dos outros animais. S. Edmundo morreu em 870.