Diário Bíblica Portugués

2 de Fevereiro de 2023

Primeira leitura: Ml 3,1-4: 
O Senhor a quem buscais, virá ao seu Templo.
Salmo: Sl 23(24),7.8.9.10 (R. 10b): 
O Rei da glória é o Senhor onipotente!
Segunda leitura: Hb 2,14-18: 
Jesus devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos.
Evangelio: Lc 2,22-40: 
Meus olhos viram a tua salvação.

Tema: APRESENTAÇÃO DO SENHOR (Festa)

Naquele tempo, Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos que o escutavam ficavam admirados e diziam: "De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?' E ficaram escandalizados por causa dele. Jesus lhes dizia: "Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares". E ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. E admirou-se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando.

 

Comentário

A Igreja Católica celebra hoje o Dia da Vida Religiosa.

Em primeiro lugar, muitos se perguntarão por que escolheram (foi há alguns anos) essa data-celebração para celebrar o dia da vida religiosa. Eles vão se perguntar se os tomadores de decisão perguntaram, ou se os tomadores de decisão eram membros da vida religiosa, ou pelo menos sabiam disso. Porque tudo parece indicar que a natureza da vida religiosa é muito difícil de relacionar com aquela cena do evangelho — se concebermos a vida religiosa com bastante rigor. Aqueles que quiserem aproveitar a ocasião para apresentar uma reflexão sobre ela ao povo de Deus acharão difícil — ou muito artificial — tentar relacioná-la com a "apresentação do Senhor". Seria melhor se mudassem os textos, ou simplesmente apresentassem o tema sem tentar criar uma relação artificial com o texto.

A vida religiosa institucionalizada na Igreja não começa desde o início do cristianismo. Surgiu espontaneamente, desinstitucionalizadamente e só mais tarde foi se institucionalizando. E, como tantas outras coisas, acabou não só institucionalizada, mas “cativa” da instituição.

Convém lembrar que há apenas cinquenta anos, até o Concílio Vaticano II, falávamos da vida religiosa em termos de "a vida de perfeição na Igreja". Era o "estado de perfeição", o mais perfeito (deixando de lado o estado episcopal, do qual se dizia que era o "estado de perfeição adquirida", status perfectionis adquisiate, em oposição ao dos religiosos, que era apenas um estado de perfeição a ser adquirida, status perfectionis adquirendae).

Com o Concílio, toda aquela teologia implodiu e desmoronou sem deixar vestígios, foi totalmente abandonada, praticamente de repente. Começaram a falar dos conselhos evangélicos e do “seguimento de Jesus”. Era um caminho novo, sem volta; nunca voltaríamos atrás.

Já no pós-concílio surgiu a teologia dos carismas religiosos: cada “família espiritual” na Igreja se constitui em torno de um carisma fundacional (graça) concedido por Deus ao fundador, não para si mesmo, mas como uma “graça transmissível” destinada a ser compartilhada com os outros e prolongada na história através da missão daquela família religiosa. As congregações lançaram-se —impulsionadas pela própria Igreja— na tarefa de (re)descobrir o carisma do seu fundador e o seu próprio carisma. Esta teologia dos carismas foi uma criação verdadeiramente feliz e prestou um serviço muito interessante à identidade e à missão das famílias espirituais, das congregações religiosas.

Mas podemos dizer que já está superada. Os tempos mudaram demais. A problemática conciliar foi totalmente deslocada por questões novas e muito profundas, que naqueles tempos não podiam ser apreendidas ou imaginadas. A teologia da vida religiosa há muito evoluiu para abordagens mais profundas e existenciais. A vida religiosa seria fundamentalmente radical. Todos os humanos são religiosos, temos essa dimensão profunda em nossa existência; mas há pessoas em que esta dimensão se torna central e dominante, a ponto de colocar entre parênteses dimensões muito naturais e “normais” da vida (casamento, paternidade/maternidade, independência, projeto familiar e, por vezes, profissionalismo civil). A vida religiosa pode ser identificada pela “liminaridade” que representa na sua realização (aquela que está no limen, no limite da experiência religiosa.

Esta perspectiva ampliou significativamente o conceito de vida religiosa, a saber: não é um conceito puramente cristão, mas profundamente humano; a vida religiosa não seria cristã (não foi fundada por Jesus), mas está presente em muitas religiões e é uma realidade da vida humana, inclusive civil (há formas e estados de vida em que o sujeito hipoteca aspectos e dimensões naturais "normais" de sua vida, para viver na radicalidade do compromisso e da entrega).

Dentro do cristianismo, a vida religiosa seria o seguimento radical de Jesus. E aqui surge uma séria dificuldade: a forma canônica da vida religiosa católica não pode ser identificada com esta definição, porque é marcada por um "cativeiro institucional" fundamental: não coloca, não pode colocar tudo sob o seguimento de Jesus; acima desse acompanhamento está, em última análise, a incontestável e inquestionável autoridade da instituição eclesiástica. Os institutos religiosos devem ser canonicamente aprovados para existir. Uma vez aprovados, já não são uma livre iniciativa de seguimento radical de Jesus, mas uma instituição canônica da Igreja Católica, sobre a qual pesa sempre a hipoteca da submissão à autoridade eclesiástica, externa à família religiosa, mesmo acima inclusive daquilo que os religiosos em questão percebam em consciência como exigência do radicalismo, do seguimento radical de Jesus. O conflito da profecia e o radicalismo dos religiosos diante das imposições das congregações vaticanas (para a vida religiosa ou para a doutrina da fé) foi o que assistimos nas últimas décadas: religiosos que queriam se comprometer com os pobres, que elaboraram uma teologia profética, que renovaram suas constituições segundo a espiritualidade da libertação... e que não puderam fazê-lo porque, em Roma, os monsenhores de plantão — na maioria das vezes não religiosos — simplesmente o proibiram. Na Igreja Católica, a vida religiosa pode ser um seguimento de Jesus apenas na medida em que o direito canônico o permitir e/ou na medida em que a cúria vaticana consentir, não um seguimento radical-liminar de Jesus. É uma das profundas reformas pendentes na Igreja.

Nessa situação, não surpreende que existam muitas formas de "vida radical" fora da vida religiosa católica, no vasto mundo do Povo de Deus: pessoas que entregam radicalmente sua vida a causas generosas e desinteressadas, livres de mediações institucionais.

Será bom aproveitar a homilia para expor claramente aos fiéis, por alguns minutos, o caráter evangélico da vida religiosa e a necessidade de deixá-la renovar-se libertando-a de todo cativeiro institucional.

Oração
Deus-Mistério insondável, Presença inacessível, Claridade sem corpo, Palavra silenciosa... Faz-nos sentir a Força da tua presença, a proximidade do teu mistério, para que escutemos constantemente o chamamento que nos fazes a viver plena e radicalmente, totalmente humano e simultaneamente divino... Amém.

Santo do Dia
Apresentação do senhor


Esta festa remonta ao século IV e lembra o dia em que Maria e José apresentaram Jesus a Simeão e à profetisa Ana no Templo, cumprindo assim tudo o que ordenava a lei de Moisés, por ocasião do nascimento de uma criança (Lc,22-40). Em um dos seus sermões, S. Sinfrônio refere-se a esta festa dizendo: \"Realmente, a luz veio ao mundo (cf. Jo 1,9) e dispersou as sombras que o cobriam; o sol que nasce do alto nos visitou ( cf. Lc 1,78) e iluminou os que jaziam nas trevas. É este o significado do mistério que hoje celebramos. Por isso caminhamos com lâmpadas nas mãos...? ( Liturgia das horas, v. III, op. cit., p. 1.236).